Hoje tem Afrobaile: Afrocidade conversa sobre trajetória e revela planos para o próximo verão
Por Laiane Apresentação
A cidade de Camaçari, na região metropolitana de Salvador, foi berço de um grupo único. Uma big band que se autodescreve como ‘bicho solto’, de um ‘som black’ e um tambor que fala e chama. Atualmente composto pelo diretor musical Eric Mazzone, Fernanda Maia no vocal e percussão, Rafael Lima e Douglas Santos na percussão, Marley Lima no baixo, Sulivan Nunes no teclado, Deivite Marcel e Guto Sobral como bailarinos, o Afrocidade se espelha no trabalho coletivo de blocos afros e grupos como Timbalada e criou sua própria identidade ao longo de sua trajetória e variadas formações.
Unindo ritmos diversos, comuns em regiões periféricas de Salvador e Camaçari, o Afrocidade nasceu com um desejo de continuar a história para além do trabalho coletivo. Segundo Mazzone, o grupo nasce inspirado em blocos como Malê Debalê e Ilê Aiyê, que possuem um sistema integrado com a comunidade e a religião.
Nesta sexta-feira (8), o grupo subirá aos palcos da Senzala do Barro Preto, sede do primeiro bloco afro do Brasil, no Curuzu, para mais uma edição do Afrobaile, uma festa organizada por ele há quase dez anos. O evento contará com as participações de Jau, O Kanalha, Sued Nunes, Yan Cloud, além dos DJs Zamba e Black Daria
“O Afrobaile surge em Camaçari, inicialmente com o propósito de criar oportunidades para a gente poder mostrar nossos sonhos, para todas as pessoas, todos os produtores de música preta, música diaspórica, poder também apresentar seu trabalho”, explicou Eric ao Bahia Notícias.
Na música, lançada nas plataformas digitais na última quarta-feira (5), o Afrobaile é descrito como um movimento que ‘vem de fora para dentro’. Em uma conversa com o BN, durante os ensaios para o Afrobaile, parte do grupo explicou como estão os preparativos para a apresentação inédita.
“A gente está indo para o nosso décimo ano de Afrobaile, a gente ou por algumas mudanças, algumas da vida, às vezes não tão boas, mas a gente meio que reformulou esse show para esse evento especificamente, que é muito importante, tem um significado de renascer para a gente”, contou Fernanda. Conforme Mazzone, o show ocorrerá em um momento muito especial que coincide com os 50 anos do Ilê Aiyê.
Entretanto, o Afrocidade é mais do que isso. O grupo, que já chegou a ter 25 integrantes no palco, como o pagodeiro Oh Kanalha, foi criado com a ideia de ser uma banda de filhos de rua. O arrocha, o rap, o pagode baiano e a percussão são apenas alguns dos ritmos utilizados pelo Afrocidade em suas músicas. Segundo Sulivan, tecladista, eles até tentaram denominar o ritmo como uma música experimental, o ‘Afro regional beat’, mas o grupo não tem limitação.
Na música lançada em 2021, no EP ‘Afrocidade na Pista’, a big band comentou sobre essa mistura de ritmos e seu swing. No single, o groove “vai chegando automaticamente” e não pra explicar, o corpo entende e o tambor que diz.
“Tudo conectado, um conecta o outro e a gente se perceber nesse lugar justamente para não se limitar, ter a liberdade de misturar e fazer qualquer um detalhe que precisa, que dá vontade de fazer”, afirmou o tecladista. “Afrocidade é essa conexão com o tambor… falar, o tambor fala”, declarou Guto, um dos bailarinos.
Além da conexão com os blocos-afros, o Afrocidade possui uma parceria com Timbalada. Um dos membros fundadores, Eric Mazzone e Denny Denan, vocalista do grupo do Candeal, se conhecem em Camaçari anos atrás, e, inicialmente, marcaram um encontro para falar sobre memória e identidade. Ao site, Eric contou que o primeiro EP do grupo, ‘Cabeça de Tambor’, de 2016, recebeu esse nome devido ao álbum ‘Cada Cabeça é um Mundo’, da Timbalada.
Foto: Divulgação/ Capas dos álbuns ‘Cada Cabeça é um Mundo’, da Timbalada e ‘Cabeça de Tambor’, de Afrocidade
“A Timbalada é um grupo que é super referência por vários motivos: por essa coletividade, por essa rotação, por você estar muitas vezes e depois você deixa de estar, as coisas continuam e aí a gente tem muito esse sentimento de: ele é bailarino, mas ele às vezes vem para percussão, às vezes ele tá na direção artística. Então a gente tá muito flexível mesmo. Tá sempre entendendo que aqui é um grupo e que se um dia eu estiver fora do palco, se tiver atuando em outro lugar e ele permanecer a missão está sendo seguida assim”, contou Eric.
A parceria se solidificou nos palcos no Festival Coala, em setembro deste ano, em São Paulo. Repetindo a dose, os dois grupos se encontrarão novamente no Festival de Artes de São Cristóvão, em Sergipe.
LANÇAMENTOS FUTUROS E PLANOS PARA O VERÃO
De acordo com Mazzone, o grupo está em busca de consolidar seu nome no cenário nacional. Advindos de um projeto social de arte e música, o grupo planeja, para o futuro, ter uma sede e ser agentes multiplicadores, mas no presente, o foco é na produção e lançamento de mais músicas.
Com dois EPs, um álbum de estúdio e um álbum ao vivo já disponíveis nas plataformas de streaming, o Afrocidade planeja mais lançamentos para o final de 2024 e início de 2025. Além do single ‘Afrobaile’ lançado na última quarta-feira (5), o grupo lançará no próximo dia 2 de dezembro o single ‘Oriki que ganhará um visualizer produzido por Luma Nascimento e Bruno Zambelli e utilizará inteligência artificial para traduzir a música em imagens.
Para o verão, o grupo promete mais lançamentos de singles, com colaborações artísticas ainda não reveladas e confirmaram a realização dos ensaios de verão. Neste ano, o ensaio de verão da big band foi realizado no Quincas Berro D’Água, com entrada gratuita, e teve como tema uma homenagem ao grupo Timbalada.
SUPERAÇÃO E LUTO
Em maio deste ano, o grupo perdeu uma peça importante de sua formação. O guitarrista Fal Silva, um dos membros originais do Afrocidade foi espancado até a morte aos 32 anos. Ao Bahia Notícias, Fernanda explicou como está sendo voltar aos palcos sem o parceiro musical.
“Muito difícil. Acho que nos mantém de cabeça erguida porque era sonho dele também e cada um de nós, agora tem um pouquinho dessa bagagem para continuar por ele também, mas ainda é algo muito complexo, muito sensível”, desabafou.
Segundo Eric, a banda se recolheu e fez uma pausa nos shows após a fatalidade, mas entender que tinham que continuar. “A gente tem mais de 15 anos de banda. Do momento que a banda vem a tona, para cena, tem toda uma trajetória que vem antes disso, que na soma total são muitos anos de relação, e é parte do sonho dele seguir. A gente já entendeu que por mais que a gente vai ter que conviver com ela [a ferida] porque ela vai eterna. Esse lugar, essa lacuna, vai ser eterna”, completou.